O consumo de carne de cachorro na China

É verdade que os chineses comem carne de cachorro?

Antes de responder a pergunta, gostaria de fazer uma introdução...

Esse não é um post que eu gostaria de estar escrevendo, mas já venho pensando nele há um bom tempo. Sei que não é bem o que a maioria das pessoas gostaria de estar lendo em um blog de viagem. Acontece que viagens não são feitas só de bons momentos, principalmente porque é quando conhecemos outras realidades. E apesar de não serem agradáveis, algumas coisas precisam, sim, ser ditas, entendidas e merecem uma reflexão.

Vejo muita gente concordar que viajar nos faz ver o mundo "sem filtro", obriga a sermos mais flexíveis e é um excelente jeito de quebrar preconceitos. Mas de que forma mesmo? Através da vivência de outra cultura, mesmo que por pouco tempo, e de comparações.

Pois bem, eu vivi na China por quase dois anos. Diariamente me deparava com algum hábito estranho, ou até mesmo absurdo do meu ponto de vista. Como eles se vestem, como - e o que - eles comem, as noções de higiene e tantos outros aspectos. Claro que muito disso é estranho ou absurdo se compararmos a cultura chinesa à brasileira! Porém, quando me dei conta de que lá a estranha era eu, já que aquela população mantém certos costumes por milênios, parei pra pensar. "Quem será que tá errado nessa história?" É difícil determinar o certo e o errado.

Mas voltando à questão da carne... Uma das perguntas que amigos e familiares mais me fizeram quando voltei da China foi: comeu carne de cachorro? E logo após eu responder, a pergunta seguinte era: mas os chineses comem, né?

Primeiramente, acho triste o fato de esse ser um dos assuntos mais lembrados quando falamos no país do dragão. Aquelas terras já passaram por tanta história que faltam palavras para contar, guardam belezas naturais impressionantes e um povo que desenvolveu conhecimentos valiosíssimos - a despeito de alguns hábitos que julgamos. Aprendi muito com eles!

Sim, na China se come carne de cachorro. E isso é um pouco diferente de dizer que os chineses comem carne de cachorro. O hábito é comum apenas em poucas regiões do país e, inclusive, é criticado por parte da população. Esse artigo do G1 mostra que ativistas chineses protestaram contra o festival de degustação de carne de cães, que acontece anualmente em Yulin. Assim como nós, muitas famílias lá também criam cães como animais de estimação e jamais os comeriam.

Em Shenzhen e Guangzhou, cidades onde morei, esse "prato" não era comum nas mesas. Mesmo que fosse, eu não teria comido. Não acho que só porque fui para o outro lado do mundo, deveria passar por cima de princípios que adquiri aqui no Brasil.

A situação mais próxima que presenciei em relação ao consumo de cachorros foi quando fiz uma viagem de ônibus para o interior da China. Do meu lado, na estrada, passou um caminhão cheio de gaiolas empilhadas com cães dentro. Mais ou menos assim:

Pesado, né? Aquela imagem nunca mais saiu da minha cabeça
Fonte da foto

O consumo de outras carnes mundo afora

Não são só os chineses! De acordo com esse artigo da Globo (mesmo link da foto acima), cachorros também são sacrificados para consumo na Coreia do Sul e em Taiwan. E pior: vários países consomem outros animais, digamos, não habituais. É o caso de focas no Canadá; tubarões na Islândia; girafas, macacos e elefantes na África; cangurus na Austrália; ursos na Rússia e crocodilos nas Filipinas.

Antes que você ache isso pavoroso, pense comigo... No Brasil se comemora qualquer evento com um churrasco, farto de porções de coração de galinha (lembrando que cada um deles corresponde a uma galinha morta) e muita carne de porco e boi. Já na Índia, a vaca é sagrada para boa parte de 1,3 bilhão de pessoas. Nos olhos deles, nós também somos malvadões!

Por que eu parei de comer carne na China

Não foi só por causa dos cachorros, foi uma junção de vários motivos. 

Claro que o que me chocou no primeiro momento, me obrigou a refletir: por que o cachorro é melhor do que os outros animais que sacrificamos todos os dias na minha terra? Todos eles sentem dor quando são abatidos, gostam de crescer em liberdade e merecem a nossa compaixão. 

Enquanto martelava esses pensamentos na minha cabeça, sempre achei as carnes caras e suspeitas por lá. Suspeitas tanto pela higiene quanto pela procedência duvidosa. Certa vez vi uma notícia de um restaurante bem conceituado que servia carne de cavalo como se fosse de boi. E os consumidores comiam felizes sem saber.

Pra ajudar, os chineses não fazem questão de esconder de onde cada pedaço de carne vem - PULE ESSE PARÁGRAFO SE NÃO QUISER IMAGINAR CENAS FORTES. Nos mercados que não são feitos para atender estrangeiros, é possível encontrar facilmente uma perna inteira de porco, com pelo e até a pata. Sim, fica tudo exposto e descoberto, exalando aquele cheiro desagradável de sangue. Outro dia, estava caminhando na rua e passei por uma tenda com pessoas comendo churrasco. Logo ao lado, vi uma mesa com a cabeça de um animal (não consegui ficar olhando para identificar o que era) que ainda tinha sangue escorrendo. Sério que dá pra sentir prazer em comer assim?

Outro fator que contribuiu para eu querer mudar a minha alimentação foi a grande disponibilidade de pratos com vegetais. Nos restaurantes mais chinesões que frequentei, a carne não costumava ser sempre o elemento principal do prato. A comida continuava gostosa, variada e bem temperada se você tirasse a carne, diferente de muitos locais no Brasil, onde só sobra arroz e salada.

Couvert chinês: combinação bacana de amendoim, temperinho verde e um molho indecifrável, acompanhados de um chazinho.

Durante a transição dos hábitos alimentares, fui pesquisar sobre a exclusão dos animais na dieta humana. Foi aí que tive ainda mais certeza de que estava tomando a decisão certa, tanto pela minha saúde quanto pelos problemas ambientais relacionados à pecuária. Atualmente sou quase vegana*, feliz com a atitude, e devo isso à China :)

*Vegano: pessoa que não consome nenhum produto de origem animal, ou que tenha sido testado neles, ou que os tenha explorado de alguma forma.
*Vegetariano: quem não come carne.

O que você tem a ver com isso?

Não tô dizendo que você deveria virar vegetariano. Óbvio que se eu mudei é porque acho que isso é o certo a se fazer, mas entendo o lado de quem não quer ou não consegue mudar. Fui carnívora durante a maior parte da minha vida e não vou criticar quem é assim. E outra: na China, sem convites para churrasco todos os fins de semana e sem precisar dividir a geladeira com gente que come o que eu estava evitando, foi muito mais fácil. Mesmo assim, segui firme com meus novos princípios quando voltei para o Brasil.

Meu principal objetivo com esse artigo é trazer essas duas ideias:

1. Não julgue a cultura dos outros sem tentar entendê-la ou, principalmente, sem olhar para a sua antes. Uma coisa é se surpreender com as diferenças, outra, completamente diferente, é afirmar que o que eles fazem é absurdo.

2. Caso você nunca tenha parado para pensar (de verdade!) de onde vem a carne que você come e quais são os reflexos disso, então pense.

Ufa, me sinto até mais leve depois desse texto haha! Longe de ter a pretensão de "evangelizar" alguém, espero de coração ter esclarecido algumas curiosidades sobre a grande China, que sempre é meio polêmica...

E que venham mais viagens capazes de quebrar paradigmas :)

Abraços e boas viagens para nós!

Artigos relacionados a essa postagem:
Com o que eu trabalhei na China
11 coisas que aprendi morando na China

Se você curte os artigos do Mundo de Viajante, cadastre-se aqui para receber os próximos posts no seu e-mail. É gratuito e eu prometo que nunca enviarei nenhum spam!

Para não perder nenhum conteúdo, acompanhe-nos também pelo Twitter e Facebook.

Compartilhe no Google Plus

Sobre Mayumi Tsuruyama

Me formei em Administração por adorar o universo empresarial. Mas também sou freelancer e blogueira, por amor ao mundo e à liberdade. Encaro todas as viagens que já fiz e ainda farei como trajetos de uma viagem maior, que é a vida. Seja como turista, estudante, trabalhadora ou mochileira, viajar me completa. E eu ainda tô longe dos 100%!